a erudição das coisas
sempre me espantou o saber das coisas. ter conhecimento é ter memória. ter memória traz saudade.
meu amigo lirinha fala que o prazer de quem tem saudade é saudade todo dia.
tenho outro amigo que escreveu que tem saudade de tudo. eu tenho saudade de tudo. tudo o que me foi de afeto carnal, carne, osso, suor, cheiro.
da julia, por exemplo, meu primeiro beijo embaixo da escada, quando sua avó, vó maria, ligou para meus pais pedindo para me levar embora de lá porque eu estava beijando a neta dela na boca. dia desses rolou um treco de novo no carro, mas foi coisa de amigo de infância.
tenho saudade da marina, que por acaso houve um rolo em um momento inoportuno para nós dois, mas era tão gostoso, tudo ali era uma delícia.
saudade do gustavo, o primeiro menino que beijei. foi intenso. até mão no pau rolava; até mamada rolava.
da teka eu tenho saudade, porque me ensinou muita maldade da vida — não que ela fosse má, ela era legal, só era doidinha, segundo minha irmã. ela tirou minha virgindade, sem camisinha, quando a gente tinha 14 anos, no natal. a gente era gótico.
o marcos a gente se pegou, mas era no sigilo, ele é hétero até hoje. sinto saudade da amizade dele. época boa da savassi.
na savassi eu conheci muita gente, tenho saudade delas. da lu, que foi uma paixão gigante, fugaz, acabou rápido num show dos engenheiros quando no dia que eu ia pedir ela pra rolar algo sério ela resolveu beijar outro cara do nada — acabou que eles se casaram e separaram depois. era uma coisa meio marcelo camelo e mallu magalhães, mas quem sou eu.
a ju, ela eu não consigo falar. essa eu amei desde que conheci no orkut. amei enquanto conheci rayanne. amei enquanto amava rayanne. amei depois. amo até hoje. a ju foi algo colossal. eu tenho saudade da ju. mas é super it’s all over now, baby blue. amo a ideia do pudemos ser.
eu tenho saudade da rayanne. aliás, eu tenho saudade também da ideia da rayanne. da ideia do que sonhávamos quando tínhamos 16 e 18 anos. saudade de tudo o que a gente tentou fazer e que deu tudo errado, tirando o nascimento dos nossos passarinhos, sara e francisco. a gente era bonnie e clyde só que sem aquele glamour do cinema, porque éramos detestáveis pra todo mundo. o mundo virou só nós dois, depois nós 3, depois nós 4, depois só nada. nós dois sempre soubemos, éramos um acidente esperando acontecer. bum! eu tenho saudade. da ideia da rayanne. da ideia de nós dois. o resto que se foda. menos nossos passarinhos. ainda assim, nós deixamos de ser e ainda conseguimos ser depois. vai entender. a gente é caos. tenho saudade também de ouvir sza com ela à noite transando na sala e bebendo um vinho caro — ela era exigente.
nesse meio tempo teve a carol. a gente transava depois do trabalho ou antes, chegando mais cedo. era no banheiro, no sofá do chefe, na mesa da minha sala. era tipo filme pornô. ninguém desconfiava — todo mundo sabia.
a daniela foi um erro babado. deixa baixo. saudades, amiga.
da larissa eu guardo muito carinho. era muito gostoso, eu fui meio covarde, a gente se perdeu, ela me perdeu, nos reencontramos e eu fiz perder. não foi legal, mas ela é massa e tenho saudade da risada rouca dela, do bafo de boca de cigarro com halls preto. torço muito por ela. ela é massa.
a mari foi um desencontro vagabundo. um arrepende de ter perdido o tempo do outro em tempos diferentes. eu falo que o tempo é ruim… a gente até tentou um reencontro nuns tempos que eu tava meio mal, mas eu não podia mais fazer isso. era legal, mas não era pra ser. ou se era, eu não tenho ideia. só sei que não é, porque aquilo que é só é sendo. e eu não podia ser.
eu gosto do cheiro; do cheiro de cada pessoa, do hálito, do toque, do suor, do cheiro da xota suada, da textura macia do pau, das brigas, do ódio, do amor. dos que cercam de desejo, dos que ardem.
eu não gostava de nada. agora eu sei de outras coisas. soa erudito um tico.
me espanta saber do saber das coisas.
porque agora eu tenho saudade da saudade.
e eu tenho saudade de tudo.
