a gente é um cortejo no fim das doze horas

o tempo nunca me fez promessas — o passar da hora sempre me levou prum oceano de memórias. e de que me serve se eu não sei nadar?
então quem me leva aos meus fantasmas?
foi quando abri a porta de casa, me olhei no espelho e lembrei que poderia navegar, mesmo sabendo que mar calmo nunca me faria bom marinheiro. mesmo sabendo que eu queria saber voar, mas eu nunca aprendi, só em sonho. voar é uma liberdade — o sonho também.
então quem me leva aos meus fantasmas?
a liberdade é o gozo; é tirar o sapato apertado de um dia inteiro quando senta no sofá. amor é o gozo, porque o gozo é o alívio. queria eu sentir alívio, mas eu nunca aprendi, nem em sonho.
então quem me leva aos meus fantasmas?
meu gozo, nos últimos tempos, foi enterrar meu pai, que não precisava mais sofrer.
então quem me leva aos meus fantasmas?
meu gozo, nos últimos tempos, foi enterrar minha irmã, que não precisava mais sofrer.
então quem me leva aos meus fantasmas?
o abraço apertado no último suspiro deles é o aperto do meu peito que parece nunca mais sair.
então quem me leva aos meus fantasmas?
riobaldo! vou resignar a jornada que me era cabida para ter a liberdade que me foi concedida: me permitir o desejo, o alívio.
eu quero ser a pessoa de todo dia.
porque a gente é um cortejo no fim das doze horas.