se a gente sonha e depois vive dentro do sonho, quem é o sonhador?

os sinos dobram — ou não fosse a vida finita

eu lembro direitinho: teve um dia que acordei com asas!

olhei pra janela e fui brincar. acabei voando e vi o mundo lá de cima. lá do alto é tão bonito e ao mesmo tempo tão triste, mas eu sabia que era um sonho porque eu não sei voar.

vi de longe o corpo do homem que estava estendido no chão. o ônibus com a lata amassada estava parado ao lado. a multidão se aproximando. vi aquela senhora mexeriqueira com o cachorro na coleira e a fumaça do seu cigarro que estava sempre aceso. mas eu sabia que era um sonho, porque eu não sei voar.

acabou que eu rodei o mundo, brinquei com as estrelas e o homem seguia lá, a multidão já se dispersava e aí eu trombei com um homem muito velho com umas asas imensas que me chamou pra dançar. mas eu sabia que era um sonho, porque eu não sei voar.

e esse homem muito velho com suas asas muito grandes me disse que os ventos vinham de longe pra mostrar que tarde é ontem e que agora eu seria quando; que era por mim que os sinos dobravam naquele momento.

mas eu sabia que era um sonho, porque eu nunca voei antes.