shrinking — ou fofocando com a morte

joão meirelles
2 min readMar 29, 2023

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eu quero ativar o arquétipo da gaby

no sétimo episódio da primeira temporada de shrinking, o protagonista, um viúvo chamado jimmy, conversa com sua esposa, morta há um ano (nada sobrenatural, era uma conversa com uma fotografia dela). em determinada parte, ele a confronta: “(…)acho que você me deve um pedido de desculpas (…) por ter morrido. não me leve a mal, deve ser uma merda estar morta, mas acho que você ficou com a parte mais fácil.”

confesso que isso me deu um aperto muito grande, numa dor ainda maior do que já carrego. quem vai, fica com a parte mais fácil? vou pegar como exemplo minha irmã, ela nunca quis morrer. ela lutou foi muito pra não ceder à morte e, bom, a morte veio. uma querida, deixou que seus últimos respiros fossem calmos, remansados, plácidos. ainda assim, lari ficou com a parte mais fácil?

a bem da verdade, não duvido nada que ela ainda esteja lutando contra a morte — ou já ficaram melhores amigas e fofocam todo dia.

a parte mais fácil pra minha irmã era viver. ela tinha urgência de viver, ela tinha leveza no viver. ela viveu. ela vive.

shrinking vem assolando minha cabeça. é uma série muito leve, mesmo com este tema tão denso. não somente, ajuda em reflexões necessárias, mesmo com um analista tão ruim quanto o jimmy (o cara põe um paciente pra morar com ele…??? entre outras peripécias absurdas).

nesse sentido, há séries que gosto muito que mostram algumas visões sobre o viver, o morrer, que me fazem pensar que falar da morte não deveria ser ruim. six feet under, after life, shrinking, todas elas mostram várias facetas da morte, da vida, do luto.

se morrer é essencial, então por que não haveria de ser o falar sobre nosso próprio fim? até porque eu vejo que os rituais de hoje sobre a morte estão nos blindando de processá-la mesmo ela sendo um destino inescapável, que invariavelmente carrega um temor e uma ansiedade.

sabe, eu não canso de falar da minha irmã. é a minha forma de lidar com o luto. é minha forma de ficar com a parte mais fácil que ela me deixou de herança. é minha forma de viver. é nossa mania de viver. todo dia.

dia desses, brinquei com meu amor: a gente se ama tanto, né? e eu te amo tanto que espero que você parta antes de mim, para que você não sofra com minha partida e deixe o sofrimento comigo. a audácia da vagabunda, né?

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joão meirelles
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Written by joão meirelles

tudo acontece demais, disse o cavalo. eu concordo.

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